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Ary Morais @ Club Bleza Lisboa, Portugal 12.09.2014

Oct 30, 2014
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Num compasso de espera, antes de subir ao palco do B.Leza, na sexta-feira, 12, e enquanto a sala se compunha, Ary Morais, o cantor da ilha das Dunas nascido em Stancha de Bóxe, e a viver desde 1995 em Oslo, Noruega, sentou-se à conversa com o asemanaonline. Fala da sua relação com Cabo Verde e da ilha natal, a Boa Vista.
Ary Morais:

Como analisas o actual momento da tua carreira?

A minha carreira vai bem. Ganhou alento com este meu novo trabalho – “Sonho cabo-verdiano” – que depois do lançamento na Noruega, na Boa Vista e no Sal, chega esta noite a Lisboa com esta minha actuação. É, também, a minha estreia no B.Leza. Tenciono, num futuro muito breve, ir às ilhas de Santiago e São Vicente promovê-lo ainda mais. Entretanto, para a semana, estarei no Uganda num festival de música africana. É mais um país onde deixarei um cheirinho deste meu sonho.

Que inovações introduziste no “Sonho cabo-verdiano”?

Considero este meu último trabalho diferente dos dois anteriores. Acho que as letras têm outra maturidade. Os arranjos tiveram o contributo de músicos cabo-verdianos e noruegueses no sentido de ir ao encontro daquilo que a nossa música representa no mundo.

A música vai bem em Cabo Verde?

Em Cabo Verde temos bons músicos, compositores e intérpretes. É pena que muitos bons artistas fiquem pelo caminho por falta de meios e de promoção. Somos um país territorialmente pequeno, mas com uma representação grande no mundo da música. Tenho visto o quanto gostam da nossa música, mesmo nos casos em que não percebem o conteúdo das letras. Mas o ritmo e o sentimento chegam ao coração das pessoas. Noto isso na Noruega, país onde já cantei de norte a sul.

E o teu papel de promotor de cultura?

Este ano organizei o Festival da Lusofonia em Oslo. A minha intenção era que fosse um evento de dois dias mas os patrocínios não permitiram esse alargamento. Para o ano é minha intenção recorrer a outros fundos e ser, então, de dois dias. Porque gosto que os “cachets” estejam assegurados e que não dependam da venda dos ingressos. Tentarei apoios junto do Conselho de Artes na Noruega, entre outros.

Quantos cabo-verdianos vivem na Noruega? E como vivem? Existe alguma associação cabo-verdiana?

Calculo que a nossa comunidade na Noruega tenha, por alto, umas 500 ou 600 pessoas. Fomos pioneiros enquanto emigrantes naquele país nórdico. Começamos como marinheiros. Depois,com a queda da marinha mercante fixámo-nos em terra com as famílias. Temos tendência de viver como os noruegueses. O clima, a cultura, tudo isso nos condiciona um pouco nesse sentido. Já tivemos, em tempos, duas associações que deixaram de existir por divergências entre os associados. Há cerca de quatro anos tive a ideia voltar a criar uma. Contudo, não tive apoio dos demais e desisti da ideia. As feridas continuam abertas. Desta iniciativa conseguimos um fundo que será destinado às crianças do Jardim SOS na Praia.

A Boa Vista saltou para as bocas do mundo com o surto turístico. Que visão actual tens da tua terra?

A Boa Vista mudou. Está no bom caminho do desenvolvimento. No entanto, me parece que as mentalidades não estão preparadas para isso. O desenvolvimento deve ser global. Se umas coisas se desenvolvem e outras não, ficam comprometidas. Para mim, a mudança de mentalidades é fundamental porque vai proporcionar outras essenciais.

Qual é a tua relação com a Câmara Municipal da Boavista, como entidade cultural?

Guardo uma certa mágoa da actual equipa camarária. Gosto muito da minha terra. Sou boavistense. Contudo, a Câmara da Boa Vista, culturalmente, fechou-me as portas. Nunca lhes pedi apoio para a produção dos meus trabalhos. Embora saiba que o dão a outros artistas. Organizam festivais e festas de romaria e nunca o meu nome figura. Houve um tempo em que me prometeram muita chuva. Na volta, só me deram ventania. Mas que houvesse diálogo, pelo menos. Tenho esperança de que a mudança dos actuais responsáveis autárquicos traga outro tipo de entendimento. Só queria ser bem recebido. Como acontece, por exemplo, com a Câmara de São Filipe, a quem agradeço. Que haja diálogo para que se as coisas se componham. Quando for altura de dar a minha opinião falarei com desassombro e verdade. Parece-me que esta forma de estar não agrada a certos políticos. E, também aqui, volto à questão da mentalidade que precisa de ser desenvolvida. Capacidade de aceitação do olhar do outro é preciso. Deixar da atitude de quem não comunga da nossa opinião é um inimigo.

http://asemana.sapo.cv/spip.php?article102997&ak=1